Impasse

No terceiro andar tinha uma garota ruiva. Eu ficava perto da recepção na maioria das vezes, ali do lado do salão de festas e perto da quadra. Quando ela chegava eu ficava observando ela andar com o olho no celular procurando uma mensagem, eu tinha certeza que ela queria uma mensagem. A cada cinco segundos dava uma olhadela, só para ter certeza que o celular não estava louco. Um dia o porteiro trouxe um montante de cartas depois de ela ter sumido dezenove dias viajando a Maceió. Ela pegou o montante e olhou nome por nome, os envelopes eram quase todos brancos, mas eu vi um rosa e um azul no meio daqueles. Ela trocou o celular fácil pelas cartas, foi andando devagar sem se concentrar no caminho, lutou contra o envelope azul e leu um papelzinho fino. Quem manda uma carta para alguém escrito tão poucas coisas? Eu queria olhar o envelope rosa, mas o elevador engoliu a ruiva. Louco eu, fucei a portaria num dia que teve briga no salão de festas. Eu vi vários envelopes e uns coloridos, o destinatário dizia Lúcia. Depois que eu descobri o nome dela eu descobri um monte de coisas. Ela não gostava dos envelopes coloridos. Não sorria nunca com eles, vez ou outra ria com o celular, mas com o envelope nunca. Era só ela aparecer na portaria que até as árvores se escondiam em mistério. O prédio, terraço, antena, tudo a olhava lá de cima. Tinha um sapato rosa que não largava nunca, eu já vi quase tudo, menos os pés. Quando tive a oportunidade de ver os pés dela à beira da piscina, ela só tirou o corpo e manteve as pernas lá dentro. Do nada, o sapato rosa sumiu. Um dia ele não estava mais lá. Foi bem depois do dia da piscina, mas, meu, o que a Lúcia estava fazendo às quatro e catorze sozinha na piscina? Eu sempre fico na portaria, sempre. Principalmente nos casos de insônia. E eu me escondo toda vez que ela aparece, e ela aparece também toda vez que eu me escondo. No sétimo mês ela recebeu mais um montante, separou os coloridos e… Jogou no lixo? Lúcia, o que você está fazendo? São os teus envelopes! E naquele dia ela estava com o sapato rosa de novo, por que você tinha trocado, garota? Por que trocara tua roupa favorita? Fiquei surpreso mesmo quando ela esqueceu o celular. No banco do lado da lixeira. Não deu curiosidade, o celular era dela, não meu. Nem mexi no aparelho. Quatro e vinte e nove ela desceu de novo. Vi lá do meu apartamento. Abriu uma folha e começou a escrever, colocou num envelope branco e guardou. E eu nunca mais vi esse envelope. Acho que ela estava falando consigo mesma. E esperava em todas essas cartas que alguém falasse verdadeiramente com ela. Então eu tive uma ideia. Eu escrevi “Oi” num envelope e mandei para ela. Quando ela recebeu meu envelope preto e leu eu acho que ela esboçou um sorriso de canto bem fino. Aí o celular vibrou, ela desconcentrou e riu do celular. Riu mesmo e de verdade. Devolveu meu envelope preto para o porteiro alegando engano. Ela recebe todos os dias as mensagens e cartas, o sapato é o mesmo e todas as árvores do prédio sabem como ela é. Ela fica caçando mensagens e nem sonha que toda a madrugada eu fico olhando para ela sabendo desse desejo. Quer porque quer, sofre atoa e nem sabe que o garoto do quarto andar a analisa e gosta dos cabelos ruivos que combinam com o sapato rosa. Poxa, Lúcia, o que você queria mais? Você acha um “Oi” banal demais? Não era engano. Eu já te contei para as árvores, o prédio, o terraço e a antena. Eu tenho o direito de te dar um “Oi” e você deveria me responder, e não desacreditar. Eu ia te dar uma conversa verdadeira, mas você nem quer aceitar. Poxa vida, por isso ela sofre, ela nem sonha. 

Para John


Comentários

  1. Adorei seu blog, parabéns, muito fofo *-*

    PS: eu te indiquei em uma tag lá no meu blog, se puder dá uma passadinha lá.
    ( http://anythingcanbefashion.blogspot.com.br/2013/01/selinho-de-indicacao.html ) ♥

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  2. Obrigada Sabrina *-*
    Eba, vou passar lá e dar uma olhadinha, valeu! Beijo <3

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