Lembranças e saudade

Mais um dia na faculdade. Um daqueles dias chatos em que os professores dão a louca e decidem pedir teses, e mais teses. Tudo para ser normal. Tudo para ser tedioso. É tão estranho o jeito como eu me acostumei com esse lugar. Com as pessoas, com as salas e as matérias... É como se já fizesse parte de mim. E, de alguma forma, agora é.

Em dias como esse tenho vontade de sumir. Tanta coisa parada assim acaba me trazendo à tona pensamentos do passado. Pensamentos específicos com você. Tantas coisas mudaram, não é mesmo? Aquele seu olhar de quando me via chegar não existe mais. Aquelas risadas de quando a gente ficava um horário depois da aula... São apenas um fragmento fraco na minha memória.

Afinal, porque você não está aqui? Eu sabia, tinha certeza que essa sua viagem ia me matar. Nos matar. E foi o que aconteceu. Pelo seu sonho nós terminamos, e foi por ele que eu perdi a pessoa que mais amei e admirei na vida. Tudo bem, sei que foi e está sendo bom para você. Mas sou egoísta. E, você sabe, tudo que não façam pensando em mim é 100% bom.

Sei que você sempre odiou esse meu jeito. Essa coisa de querer tudo e todos para mim não faziam parte das coisas em mim que te conquistaram. Você queria alguém leve, eu era explosiva. Você gostava de MPB, minha paixão era rock. E enquanto você só queria andar de mãos dadas na praia, eu estava louca para ir numa balada ou viajar por aí, sem rumo.

Pois é. Você é o namorado que toda garota perfeitinha sonha em ter. Deve ser porque você é perfeitinho. E deve ser exatamente por isso que acabamos ficando tão bem juntos, por sermos tão diferentes. No começo eu realmente pensava que dessa receita não ia sair nada, mas saiu. E você me mostrou como é ter alguém ao lado, mesmo que essa pessoa seja seu total oposto. Você foi o primeiro que ouviu um “eu te amo” meu. E, olhe só, o último.

Você conseguiu realizar o seu sonho, e eu estou indo atrás dos meus. Que na verdade nem sei direito quais são; não sei o que quero para amanhã, para daqui a 5 anos, ou mesmo 10. Sou indecisa, confusa, e tenho medo do que pode acontecer. Aliás, do que não pode acontecer. Não sei lidar com fracassos, quero certezas hoje, agora. E, depois que eu te perdi, vi o quanto as coisas que eu amo tiradas de mim me fariam sofrer.

Eu realmente pensei que ia ser do jeito que você disse. Você queria me escrever cartas porque achava fofo e, como eu achava piegas, já ia logo abrindo meu e-mail. Prático, fácil, e sem risco de não chegar. Seria um e-mail (na sua cabeça seria carta. Mas ok) por semana. Saberia que pelo menos uma vez por semana você lembraria de mim. Apesar de me fazer de durona, que não liga para as coisas ou mesmo que não sente, eu tinha medo que você me esquecesse. E apesar de eu ser assim, só eu sei o quanto no fundo eu sonho com você chegando num cavalo branco, dizendo que me ama e me tirando desse mundo inútil. Que ficou ainda pior sem você.

Infelizmente as coisas não saíram como nós havíamos planejado. Você mudou, eu mudei, e acho que de certo modo essas mudanças não fizeram muito bem para o que tinha dentro da gente. Já era de se esperar. Você, na Europa, longe de mim, longe da faculdade e da sua vida aqui, cercado de pessoas novas e novos aprendizados. Você amadureceu. Agora acha que carta é realmente uma coisa tosca, mas não precisava incluir e-mails nisso. Porque nem isso você mandou mais. Aliás, aquele último – que eu recebi um mês e meio depois que você partiu – foi meio que a despedida. Você não deixou claro, mas eu senti que enquanto suas mãos deslizavam pela folha em branco, e você escrevia aquilo, você tremia. Eu vi pela sua letra. Aliás, existe outra pessoa no mundo que te conheça do avesso que nem eu? Percebi o quanto você sofreu para escrever aquilo, embora depois de escrito, tivesse sentido finalmente a liberdade. Você romântico, e eu fria. Você em outro país sendo feliz sem mim, e eu aqui sofrendo sozinha.

Não respondi. Eu sabia que aquilo não teria resposta e, ao mesmo tempo, folha suficiente no mundo para falar tudo o que estava preso na minha garganta. Eu esperaria isso de qualquer pessoa no mundo, mas de você? Era como eu estar no trilho do trem sabendo que você era o motorista e que, se estivesse perto, brecaria. Mas você fez diferente. Passou por cima de mim, me estralhaçou, me deixou em pedaços. E eu não falo que você fez isso com meu coração, porque ainda acho essas coisas um tanto piegas.

Agora vejo o quanto é bom você estar aí. Melhor isso tudo ter acontecido com você longe de mim... Se você estivesse perto, o perdão estaria mais perto ainda. Mas com você longe eu sei que estou incapacitada o suficiente de chegar em você, te agarrar e pedir mais uma chance; falar que tudo o que a gente viveu não foi em  vão, e não pode acabar assim. E mais as milhares de coisas que eu escreveria nas folhas que, como eu disse, não seriam suficientes.

Olho pro lado, você não está. Só consigo olhar da sua carteira para aquele professor gorduxo que dá aquela aula parada que eu sempre ficava trocando SMS com você. Sem SMS, sem você na carteira. Talvez seja melhor assim. Um dia eu paro de olhar para o lado, ou então alguém que está cansado de ver essa minha cara de tristeza com um quilômetro de olheiras venha aqui e sente. Seria bem melhor. Pelo menos durante as aulas eu não lembraria de tudo. E não ficaria com tanta saudade de você aqui, perto de mim.

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